sábado, 24 de setembro de 2011

Lembrança, trauma e rito de iniciação.


Eu tinha a bochehca três vezes maior do que hoje só que meu corpo era três vezes menor, o que deixava o conjunto da obra um tanto quanto desproporcional. De acordo com depoimentos recolhidos de familiares e amigos, era uma criança calma. Podia passar horas inventando situações, pessoas e objetos imaginários, como se estivesse em estado de transe. Quando frequentava teatros infantis, dentre as crianças eufóricas, eu era uma das poucas que fixava o olho nos personagens fantásticos e se concetrava na história. Por não ter irmãos e nem primos com idades próximas à minha, inventava alguns amigos imaginários. O número de amigos imaginários que surgiram era tão grande que eles brigavam por disputa de melhor amigo. Tudo era muito calmo até que um dia a escola que estudava nos levou ao MAM (Museu de Arte Moderna) de São Paulo. Eu devia ter sete ou oito anos de idade. 

Anos depois, duas obras de arte que tinha visto nesta exposição haviam se fixado em minha mente: a obra do porco empalhado de Nelson Leirner e o auto-retrato de Antônio Dias, ambas produzidas nos anos 60.  
Raramente lia ou via alguma coisa na TV que pudesse remeter a essas obras, mas por algum momento, achei que tinha inventado o porco ou coisa parecida. O que me pergunto até hoje é como e por quê tais obras me marcaram tanto. Talvez por ser tão pequena vendo coisas tão chocantes? Afinal, é um porco empalhado dentro de um museu; o outro é um auto-retrato diferente de um homem. Mas esse homem, pensou a bochechuda na época, deve ser mesmo muito esquisito pra se representar assim. Já naquela idade comecei a indagar sobre porque um artista, ou seja, gente grande muito importante e adorada por outras gentes grandes, colocaria um animal naquela situação. Sobre o retrato de Antônio Dias, não cheguei a pensar que o cara era maluco ou coisa do tipo, mas muito me chamava a atenção e me gerava dúvida do por quê se retratar dessa forma. Afinal, o auto-retrato tinha tudo o que um auto-retrato tem: rosto, braços, mãos, corpo; só era um pouco diferente dos auto-retratos que tinha visto.

A infância se sucedeu como havia se sucedido até então: de forma pacífica. O fato de ter gravado tais obras em minha cabeça não atrapalharam noites de sono, nem os estudos e nem as relações com outras crianças. Eu não ficava rememorando essas imagens e nem pensando nelas conscientemente o tempo todo. Fiquei anos sem imaginá-las. O problema disso tudo é que levar uma criança pequena num museu de arte moderna, arte moderna brasileira - importante ressaltar, faz com que suas 'doors of perception' se abram. E o trauma que isso pode gerar, por mais pacífico que ele possa se manifestar, trouxe grandes influências.

Minha cabeça já não era mais a mesma. Me voltava quase todos os dias ao caderninho de folhas brancas e ao giz pastel. Rabiscava cenas do cotidiano representando os familiares de forma desproporcional - mas mantendo na obra, meu sentimento fiel em relação a eles. Na adolescência, ouvia rock pesado enquanto produzia grandes telas de tinta à óleo, como forma de exaurir a efervescência da idade em formas abstratas e em cores fortes. Pode parecer tudo muito normal, mas dentro de mim, dentro da minha cabeça tudo fervilhava.







Foi nesse período de transição entre a adolescência e uma fase mais madura (embora eu não concorde com a fase da qual nossa sociedade chama de 'puberdade'), que comecei a frequentar ambientes artísticos, por assim dizer, alternativos. Anotava num caderninho algumas idéias malucas para executar num futuro próximo, lia livros, via filmes e coisas do tipo. Começava aqui um rito de iniciação, do qual permaneço até hoje (e do qual pretendo sair assim que me for favorável), que chamo de caminho para a transcendência.

Hoje tenho pressa em realizar tudo que adquiri como inspiração, desde meu primeiro choque artístico, lá no MAM. O rito de passagem torna-se necessário, então, no sentindo de levar com calma, sem perder a excitação da criação, o caminho para a transcendência. Caminho provavelmente percorrido por Leirner e Dias. Não quero aqui colocar artista plástico nenhum em pedestal; mal conheço bem a obra de ambos a ponto de fazer uma crítica coerente. Mas quero dizer que na vida, algumas coisas vem sem avisar e se incorporam a nós como que imperceptível. E, se de alguma forma, algo foi apropriado a mim naquele momento, e fez parte do meu inconsciente até então, é porque alguma inclinação a isso eu tenho. Também não quero dizer que as obras fizeram grande influência sobre minha pessoa, mas que foram pontos-chave para tudo que está acontecendo hoje, tanto dentro de mim, quanto na alma de qualquer ser humano que se deixa levar por uma expressiva, sentimental e crítica obra de arte.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

O silêncio.

Há uma certa atmosfera comovente, saudosa e alegre que esse vídeo parece transmitir. Por que será? Talvez ele tenha aquela atmosfera misteriosa que paira sobre todos os geeks  a ponto de twitarem tanto o vídeo, que ele chega a ter sucesso passageiro em programas de TV; talvez pelo ritmo agradável da música, um tanto quanto pobre de notas, e por isso universal, que pode servir pra qualquer propaganda de cartão de crédito ou de maionese light; mas acho que o principal, o que realmente possa cativar neste vídeo, é a simplicidade.

Faz alguns dias que tenho fugido do silêncio ouvindo qualquer tipo de música que minimamente me agradasse. Cheguei a cometer o atentado de deixar a TV ligada.

Este silêncio, porém, devia fazer parte de um momento de reflexão e não de um momento de fuga. Então lembrei-me de poucos dias atrás, quando pensava sobre o silêncio. Quando alguém falece, esse silêncio aparece. Você observa as ruas, as coisas e as pessoas e tudo parece estar estranhamente calmo. Descobri que isso não é simplesmente uma conspiração do universo ou mera coincidência;  na verdade, os barulhos estão lá da mesma forma que sempre estiveram, só que a sensação de uma ausência faz com que você repouse e reflita sobre o silêncio. Situação essa em que poucas vezes descobrimos que ele está lá, pairando sobre o barulho – e sentimos isso inconscientemente.

Também não é fácil aceitar certas mudanças. E contraditoriamente, aceitá-las é como a quebra de um longo silêncio - o que é bom de vez em quando, quando um ciclo se encerra e é necessário começar outro. Aos poucos talvez seja possível conciliar com os dois lados da moeda: silêncio-e-quebra de silêncio.

Esta simpática banda de dois – do vídeo bonitinho-, Birds of Lindigö, fez minha alma sorrir. Em outro vídeo, a garota também saltita nesses bloquinhos de pedras - esses stompstones - com seu acompanhate ao violão. Dessa vez eles tocam  um gracioso cover da música “Bourgeois Shangri-la” de Miss Li (música que tem sequências de notas muito similares a do vídeo acima). Abaixo, segue um vídeo ao vivo da própria Miss Li para mostrar como ela impediu uma situação de silêncio provocada pelas consequências do próprio corpo humano, a rouquidão. Com dor de garganta e voz rouca, ela não deixou de cantar e gritar lindamente.

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