sábado, 31 de janeiro de 2009

Ubachuva - parte 1

Minha temporada de férias em Ubatuba resultou em nada mais, nada menos que chuva! Certamente não é a atração mais esperada de lá mas todos sabem que vão vê-la. Os banhos de mar foram poucos, menos ainda os de sol. Mas, para a minha surpresa, minha viagem foi totalmente aproveitável!

Como na maioria dos dias, a chuva era bem fininha e não atrapalhava muito nas saídas de carro. E foi assim que começou a jornada. Surgiu a sugestão de conhecer Praia da Almada com esperança do sol sair. E fomos.

Pela rodovia Rio-Santos, próximo da divisa São Paulo-Rio, mais ou menos no km 12, ao sair da rodovia, pegamos a estrada da Almada. Cheia de curvas acentuadas, descíamos e subíamos pela trilha com direito a barrancos imensos que nos mostravam vista para o mar.

Com o tempo daquele jeito, o clima era assustador! Para receber turistas, um totem feito de sucata logo no ínicio da estradinha sorria sarcasticamente dando boas vindas.

Depois de mais ou menos 4 km naquela estradinha, chegamos, finalmente, na praia da Almada. Para mim, exclusivamente naquele dia, estava mais para desalmada.

O clima da vila de pescadores era tranquilo e... molhado. Descemos do carro. Certamente, pensei eu, a praia, mesmo chuvosa é agradável, mas...

O tempo chuvoso e o vento forte desanimaram meus companheiros de viagem e eu. Os meninos do quiosque foram totalmente simpáticos, mas... decidimos não ficar ali. O mais engraçado é que a medida que íamos voltando as pessoas iam chegando. Só faltava o sol sair!

Voltamos para a rodovia principal naquela animação: e agora? Vamos voltar pra casa? Então decidimos ir até Paraty, já que estávamos bem próximos. No meio da estrada, e ainda naquela animação, vimos uma placa interessante.

Não custava nada conhecer a tal da Cahoeira de Escada e a chuva tinha cessado. Foi uma surpresa! A água vem lá do alto e com muita força corre pelos degraus da encosta abaixo. Uma estátua se exibe numa pedra enquanto os vistantes vão de um lado a outro da cachoeira através de uma pequena ponte, balançando suas câmeras digitais.

 Como parte do Parque Estadual da Serra do Mar, a cachoeira recebe apoio do Núcleo Picinguaba, órgão que ajuda a manter as belezas naturais da região de Picinguaba, que fica na divisa São Paulo-Rio.

Na beira da cahoeira, há uma rústica lanchonete em que o proprietário, junto com sua mulher e seu filho, preparam maravilhosos lanches de lingüiça. A paisagem ficou gravada na minha memória como surreal: a cachoeira ao fundo, agressiva, barulhenta, banhando sua estátua assustadora em contraste com aquela pequena lanchonete e umas poucas mesinhas de plástico.  

A fumaça que vinha da chapa de sanduíches deixava o lugar com aspecto misterioso. Quando a fumaça se dissipou, ao fundo da lanchonete avistei uma placa e li: "Aqui reúnem-se caçadores, pescadores e outros mentirosos." Arregalei os olhos. Depois fitei o proprietário que, naquele momento, esquentava as lingüiças. De relance, fitei a estátua misteriosa. Então, para afastar o ar sombrio daquele dia, fui até o balcão e pedi um sanduíche!

Um sanduíche maravilhoso! Ele prensa o pão com queijo e com a lingüiça com uma chapa de ferro e tudo fica delicioso. E a lingüiça é de qualidade, daquelas que você sabe que só pode ter vindo de um cultura caseira. Depois do sanduíche, um bom gole de café esquetado a lenha completou a refeição. Ao sair, me virei e só então reparei na placa.

 De barriga cheia e hipnotizados por tanta água, entramos no carro. Começou a garoar, como se São Pedro tivesse cronometrado nosso passeio fora do carro. Pegamos a estrada rumo a Paraty e seguimos viagem...

sábado, 10 de janeiro de 2009

Desamores

     Debruçada na varanda, ele me abraçava, me envolvendo. Não éramos ninguém menos que amantes errantes. Saboreando a chuva, sentindo toda sua presença em mim, comecei a ter um desejo imenso: o de cozinhar para ele! Não sou uma exímia na cozinha, mas achei que pudesse fazer algo simples e saboroso.

   Mexendo lentamente o spaghetti para não quebrar, a fumaça de água fervente foi subindo pelo meu colo, se arrastando acima, pelo meu pescoço, atingindo a lateral do rosto, se emaranhando, já morna, nos meus cabelos presos. O silêncio era comunal de uma cozinha, apenas se ouvia o tilintar de tampas de panela. O macarrão escoando a fervura da água ralo abaixo como se fosse queimando garganta adentro, me impedindo de falar qualquer coisa sentimental que pudesse nos levar à um passado remoto. O macarrão al dente depois de despejado na travessa recebeu o molho. Devagar passeando pelo seu corpo esguio, transformando em vermelho o que era branco. Paixão?

   Então eu o vi ali, sentado na mesa, com aquele sorrisinho meio de lado, os olhos brilhando, fixos em mim. Apenas o servi, não o fitei. Mas de soslaio segui seus movimentos. Pegou rapidamente o garfo e se pôs a comer. Depois de enrolar os fios loiro-ruivos em seu garfo, levou-o lentamente em direção à boca como se fosse um gesto sagrado. Abriu a boca, não muito mas o suficiente. Alguns fios se soltaram do garfo e bateram na parte inferior de seus lábios. Ele piscou forte assim que sentiu a quentura. Depois rapidamente o spaghetti foi inserido para o inteiror de sua boca e um gemido de satisfação saiu. Foi alto e curto e me fez sentir orgulho de mim mesma. Um raio forte ecoou no céu e nossos suspiros se tornaram curtos por dois segundos.

    Servi o vinho que se esparramava pela taça assim como a chuva se esparramava pelas terras do mundo naquele momento. O líquido ia acariciando as curvas da taça até cansar de balançar pelas suas extremidades. Algumas pequenas bolhinhas se formaram. Sem formalismos, ele pegou a taça (como quem pega um copo de cerveja) e tomou dois goles grandes. Senti que o vinho desceu sua garganta abaixo, rasgando, mas de forma sútil. Assim como eu o tratava muitas vezes.

    Pratos sujos, talheres cruzados, camisa branca manchada com o sangue macarrônico. Os botões foram abertos lentamente, um a um. Passos errantes, bocas desencontradas, e a luz apagou-se.

    Amanheceu. Ainda chovia mas percebi que ele havia ido embora. Vi que bebeu uns goles de café do dia anterior e saiu. Fiquei imaginando o que pensaria sua mulher ao ver a mancha de molho em sua camisa. Mas lá fora, já com o sol saindo, ele tiraria a camisa, jogando-a pra um mendigo. Da mala, tiraria uma camiseta limpinha, daquelas que se usa em almoços familiares de domingo, e vestiria. Ao descer do ponto de ônibus perto do apartamento dela, compraria flores. Aquelas que eu nunca cheguei a receber. Arrumaria o cabelo, tocaria a campainha. Sorriria ao ver seus olhos, tão limpos quanto o céu azul daquela manhã.

Related Posts with Thumbnails

wibiya widget