Hora de preparar o jantar: muito tofu, suco de laranja e sopa de galinha. De sobremesa, gelatina.
Reparei que meu coração parece uma gelatina – isto foi mesmo hoje, quando o apalpei na hora do pôr do sol. Não é como o gelo, duro e frio. Não é como a água que corre, límpida.
Meu coração é mole mas consistente. O que é isso, então?
Um pôr do sol belíssimo bate à minha porta. Atendo. Ele sorri. O deixo entrar. Vestido todo de roxo, azul, vermelho, amarelo queimado, estava especialmente bonito. Mas depois se envergonhou. Foi indo tímido embora. Não senti aproximação. Cadê a fervura fria de um fim de tarde?
Meu coração quis explodir de alegria, dor e mistérios mas ele não conseguiu. Só ficou ali observando o sol se pôr.
Me bateu um cansaço. Cansaço de quem cutucou a pedra imóvel. A fez mexer, a acolheu e depois que a pedra ganhou vida, fui abandonada. Isso realmente cansa. Não por insistência mas porque parece que dói.
Cansei. Senti por dentro algo balançar. Queria que essa coisa – o coração – derretesse de amores. Mas ele não derreteu.
Meu coração é uma gelatina. Vou continuar conservando na geladeira. Até ser comido. Até ser servido, finalmente, na mesa do jantar de um futuro amor passado.
Murakami em momento reflexivo.
Uma das versões de capas para o livro