segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Coração à mesa.

Hora de preparar o jantar: muito tofu, suco de laranja e sopa de galinha. De sobremesa, gelatina.

Reparei que meu coração parece uma gelatina – isto foi mesmo hoje, quando o apalpei na hora do pôr do sol. Não é como o gelo, duro e frio. Não é como a água que corre, límpida.

Meu coração é mole mas consistente. O que é isso, então?

Um pôr do sol belíssimo bate à minha porta. Atendo. Ele sorri. O deixo entrar. Vestido todo de roxo, azul, vermelho, amarelo queimado, estava especialmente bonito. Mas depois se envergonhou. Foi indo tímido embora. Não senti aproximação. Cadê a fervura fria de um fim de tarde?

Meu coração quis explodir de alegria, dor e mistérios mas ele não conseguiu. Só ficou ali observando o sol se pôr.

Me bateu um cansaço. Cansaço de quem cutucou a pedra imóvel. A fez mexer, a acolheu e depois que a pedra ganhou vida, fui abandonada. Isso realmente cansa. Não por insistência mas porque parece que dói.

Cansei. Senti por dentro algo balançar. Queria que essa coisa – o coração – derretesse de amores. Mas ele não derreteu.

Meu coração é uma gelatina. Vou continuar conservando na geladeira. Até ser comido. Até ser servido, finalmente, na mesa do jantar de um futuro amor passado.

pinacoteca 011

5 comentários:

  1. prometo que da próxima vez eu te acompanho, para não deixar seu coração amolecer tanto na hora de voltar para casa fazendo reflexões inúteis sobre alguns fantasmas

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  2. Beleza de texto!
    Mas como canta Paul McCartney: but tomorrow may rain, so I'll follow the sun.
    Bjo

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  3. Por que as fontes de criação são sempre destrutivas???
    Bem, pelo menos elas servem para alguma coisa! Para se arrependerem de seus atos. Humpf =S

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  4. Ah! E eu por aqui e por ali! E vi seu blog, acho que também tenho um coração de gelatina...

    Estou te seguindo ;*

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  5. O SORRISO

    Creio que foi o sorriso,
    o sorriso foi quem abriu a porta.
    Era um sorriso com muita luz
    lá dentro, apetecia
    entrar nele, tirar a roupa, ficar
    nu dentro daquele sorriso.
    Correr, navegar, morrer naquele sorriso.

    Um poema do Eugenio de Andrade do livro O OUTRO NOME DA TERRA

    ***

    um sorriso para seu coração.

    p.s: bonito o modo como viu Noites do Sertão: O Buriti. Muitas das suas anotações são iguais as minhas, mas ainda não o terminei, parei num paragrafo que me silenciou . . .e ainda não consigo voltar para lá . . .

    buriti: àrvore da vida.

    Patrícia

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Comentários.

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