quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Um copo de vinho vazio.

 É noite de sábado quando Analuz entra em profundo estado de morbidez. Seu querido tinha ido viajar e ainda não era hora dele estar de volta.

Vestindo apenas uma camiseta larga, se estira na poltrona com uma xícara de chá uma taça de vinho e liga o som. Começa a tocar automaticamente o último CD que havia escutado. O CD é da grandiosa Ella Fitzgerald interpretando maravilhosamente Imagine My Frustration. Analuz fecha os olhos e vai pra algum lugar bem distante daquela sala, daquela poltrona; Analuz agora medita, numa imensidão paralela.

Acorda, de repente, assustada. Está na mesma posição, na mesma cadeira, o copo de vinho está vazio, o CD acabou. O silêncio toma conta de tudo e que incrível!, já são 2:50 da manhã. Estranho o tempo ter passado tão rápido. Quando Analuz sentou na poltrona era 23:28. Decidiu então, passear pela madrugada.

Vestiu um shorts, prendeu os cabelos compridos, subiu na sua bicicleta e se foi. A madrugada está mais fresca agora do que durante o dia. Alguns cachorros latem, alguns carros passam mas o silêncio é que ganha espaço.

Após ter percorrido pela avenida, Analuz arrisca uma rua vazia de casas bonitas quando, ao longe, avista um carro e duas pessoas entrando nele. Parou e olhou. Achou conhecer as pessoas, mas deixou pra lá e continuou seu passeio.

Neste mesmo carro, como se houvessem mundos paralelos, está o corpo de Analuz, enroscado em outro corpo. É Analuz e um homem. Um homem que ela só vira uma vez, tomando um café na livraria da esquina da avenida. Mas ele nunca a vira; neste dia em que ela o viu, o homem estava tão mergulhado em um livro que se caísse o mundo ele não iria perceber. Mas neste exato momento os dois estão ali, como se a noite estivesse apenas começando.

Mas a mente de Analuz não está ali. A mente de Analuz passeia de bicicleta. A brisa fria bate em seu rosto e ela suavemente fecha os olhos, abre levemente a boca. “Que sensação boa andar de bicicleta e sentir essa brisa da madrugada”, pensa.

Sente, então, uma sensação parecida com a da moça dentro do carro. Se debate contra essa sensação por um instante e depois sorri. Mas logo, abre os olhos, assustada, freando a bicicleta na frente de um carro. O carro buzina e Analuz pedala correndo.

O motivo do susto foi quando se deu conta de que ela é a moça que está dentro do carro! Corre pra rua vazia de casas bonitas pra observar novamente o carro. Mas quando chega lá, não há mais carro. Que estranho…

Atordoada, Analuz volta pra casa. Ao chegar, vê em cima da mesa, uma chave de carro. Ao final do corredor, a luz do banheiro acesa. Reconhece, pelos barulhos que faz, os gestos do seu querido.

Ele a vê e a abraça, lhe entrega flores e ela sorri. Mesmo ele chegando tarde de viagem, ainda lembra de lhe trazer flores. Que gracinha! Mas Analuz sente, por um instante, um sentimento de culpa. Como se o tivesse traído…

Recusa seus beijos e abraços por um momento, mas depois retoma as idéias e se lembra de que não era ela que estava naquele carro com o homem da livraria. Ou pelo menos não era ali que Analuz deveria estar…

Solta os cabelos, tira a roupa. Enche duas taças de vinho. Coloca novamente o CD de Ella. Deixa questões de ética e surrealismos pra lá; se volta para o seu querido, sorri e diz: Pra onde vamos amanhã, querido?

Então ele responde: Vamos dar uma volta de carro?

Analuz desperta. Está na mesma posição, na mesma cadeira, o copo de vinho está vazio, o CD acabou. As roupas estão espalhadas pelo chão e seu querido dorme um sono profundo no sofá. Agora há duas taças de vinho vazias e o sol já está surgindo.  

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2 comentários:

  1. Ahhh amei. Amodorei. Super, super, super. Sem duvida, o melhor seu que já li por aqui.

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  2. Nota-se fortíssima influência de Murakami. Ai, ai... fazer o q?!

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Comentários.

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