quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Metáfora do fim.

Homem no mar

De minha varanda vejo, entre árvores e telhado, o mar. Não há ninguém na praia, que resplende ao sol. (...)

Mas percebo um movimento em um ponto do mar; é um homem nadando.  (...)

Ele usa os músculos com uma calma energia; avança. Certamente não suspeita de que um desconhecido o vê e o admira porque ele está nadando na praia deserta. Não sei de onde vem essa admiração, mas encontro nesse homem uma nobreza calma, sinto-me solidário com ele, acompanho o seu esforço solidário como se ele estivesse cumprindo uma bela missão.

Já nadou em minha presença uns trezentos metros; antes, não sei; duas vezes o perdi de vista, quando ele passou atrás das árvores, mas esperei com toda confiança que reaparecesse sua cabeça, e o movimento alternado de seus braços.  Mais uns ciquenta metros, e o perderei de vista, pois um telhado o esconderá.

Que ele nade bem esses cinquenta ou sessenta metros; isto me parece importante; é preciso que conserve a mesma batida de sua braçada, e que eu o veja desaparecer assim como o vi aparecer... Será perfeito; a imagem desse homem me faz bem.

É apenas a imagem de um homem, e eu não poderia saber sua idade, nem sua cor, nem os traços de sua cara. Estou solidário com ele, e espero que ele esteja comigo.

Que ele atinja o telhado, e então eu poderei sair da varanda tranqüilo pensando - "vi um homem sozinho, nadando no mar; quando o vi ele já estava nadando; acompanhei-o com atenção durante todo o tempo, e testemunho que ele nadou sempre com firmeza e correção; (...)

Agora não sou mais responsável por ele; cumpri o meu dever, e ele cumpriu o seu. Admiro-o. Não consigo saber em que reside, para mim, a grandeza de sua tarefa; (...)

Não desço para ir esperá-lo na praia e lhe apertar a mão; mas dou meu silencioso apoio, minha atenção e minha estima a esse desconhecido, a esse nobre animal, a esse homem, a esse correto irmão.

Crônica de Rubem Braga.

5 comentários:

  1. Dizem que Rubem Braga era um gênio, que escrevia até debaixo dágua de olhos fechados e com lápis sem ponta. A crônica foi também uma sábia escolha. Tudo de bom pra você.

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  2. Amo Rubem Braga. Não digo que o descobri tardiamente. Digo que o descobri quando precisava dele. Assim como Clarice Lispector.

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Comentários.

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