domingo, 26 de dezembro de 2010

Crônica acrônica de Natal

Passo a tarde do dia 24 preparando pratos monumentais. A salada que foi com manga ano passado, esse ano vai com abacate; o frango com batatas vira frango com pimentão e assim vai. O pavê é o mesmo: só acrescentei uma camadinha em cima. Pra dar uma mudada, né? Ano passado a prima tinha 18 anos e esse ano, 19. Como cresceu! As tias envelhecem, os tios bebem cada vez mais cerveja. As crianças que corriam no quintal hoje jogam videogame. E incrível!, tudo é muito igual.

Minha vida, em um ano, mudou muita coisa. Mas o natal é totalmente acrônico. Apesar das mudanças, ele é imutável.

A tentativa, cansativa e maçante mas que deu certo até agora, de manter uma tradição longínqua de famílias específicas que vieram de específicos lugares, nós que por centenas de anos, nascemos católicos por inércia, essa tentativa é pra manter a família unida? É uma tentativa de manter uma tradição?

E tradição necessariamente está ligada a reunir uma família de sangue? Uma reunião da qual várias peças, mas com este detalhe fundamental de que cada peça vem de um quebra-cabeça diferente, se juntam na tentativa de montar um quebra-cabeça único. É essa tradição que queremos manter? E por quê?

Japoneses montam árvores de natal ao estilo europeu. Japonês tem natal? Meriikurisumasu, eles dizem. What?!  Brasileiros, deixemos de lado nossos maravilhosos coqueiros que enfeitam as praias que nos fazem a fama, e vamos pegar nossos pinheiros, nossa frutas vermelhas (esqueçam também a banana e manga, por favor) e vamos vestir nosso negro de branco, casacão e barba; vamos vestir nosso trabalhador de aposentado sorridente e abonado. Vamos passar calor…

Não é crítica, é apenas uma reflexão. A avenida Paulista ferveu ontem. Ferveu de católicos, cristãos, budistas, espiritistas, judeus, ateus, ortodoxos; famílias, grupos de amigos, casais homossexuais, a tia que veio de Campina Grande também tava lá, os modernetes da Augusta também, os cult do teatro e do jazz – pasmem! – também estavam lá. O que nos levou até lá?  Talvez uma ressalva no Jornal da Tarde da Rede Globo (de que seria o último dia de enfeites) tenha suscitado uma esperança última de fazer um último pedido ao Papai Noel. Talvez uma esperança perdida de que o Natal seja aquela época do ano que sabe manter uma tradição. Será?

Na véspera, ajeito as bolas vermelhas da árvore de natal, ligo os pisca-piscas e aguardo os convidados familiares chegarem. Coloco Caetano no toca discos…

De onde nem tempo, nem espaço
Que a força mãe dê coragem
Prá gente te dar carinho
Durante toda a viagem
Que realizas do nada
Através do qual carregas
O nome da tua carne...

O de sempre começa. Mas posso afirmar que apesar de igual, esse ano foi diferente. Por quê? Coloquei amor no que fiz? Deixei de lado questões chatas e mergulhei na comemoração? Estou crescendo, me acostumando?

No dia seguinte caminho pelas ruas do Peruche a procura de uma resposta. As pequenas casas, com seus grandes carros tem suas cadeiras de praia – que queriam estar na praia – fazendo da calçada sua sala. As crianças correm pela rua, os bebês somente de fralda escapam dos braços das mães. O churrasco tá saindo, a cerveja tá gelada e o sertanejo (ao fund, em outro recinto, há sempre um funk) tá tocando. Dou benção à minha vó e ela reza o Pai Nosso antes de partir pra tragédia grega que é o almoço de Natal. Me engasgo nas palavras, não sei rezar. Não nessa língua.

 

Casa da dona Josefina, 25 de dezembro de 2010.

Um comentário:

  1. Olá, adorei o blog, já estou seguindo. Também estou criando um dê uma passadinha lá e siga também. Abraços... www.wagnerpoeta.blogspot.com

    ResponderExcluir

Comentários.

Related Posts with Thumbnails

wibiya widget